A minha vida

quarta-feira, 17 de março de 2010

Hoje, sem mais nem menos, o Joca, ao chegar da escola, chamou com muita solenidade os pais e contou-lhes isto que vais ouvir: - Mãe e pai, oiçam o que eu tenho para dizer. Fiquem avisados que já sei contar. Agora não há nada que me escape. Eu conto tudo. A começar por mim. Querem ver? Tenho cinco dedos em cada mão, outros tantos em cada pé. Portanto, como tenho duas mãos e dois pés, o total dos dedos é? deixem-me contar? o total escreve-se assim. Tenho dois olhos, um nariz, dois buracos no nariz, uma boca? E dentes? Quantos? Vinte e três, não contando com os que já caíram nem com os que estão para nascer. Tenho duas orelhas, duas sobrancelhas, pestanas? Quantas pestanas? Vou ao espelho e conto. É difícil mas consegue-se. Quarenta e sete pestanas no olho esquerdo, quarenta e uma no olho direito. Estou desequilibrado em pestanas. Para onde teriam ido as outras? E cabelo, quantos cabelos? Que maçada! Nunca vou conseguir contar todos os meus cabelos. Se fossem os do meu tio Almiro, não custava nada. Ele, como vocês sabem, é praticamente careca e cola os cabelos que tem, muito acamadinhos, como se fosse uma rede de pesca. Desço os degraus da minha escada e conto: trinta e seis. A subir são só trinta e cinco. Porque será? Chego à rua e conto as janelas do prédio em frente: dezoito, se não contarmos com a montra da loja do senhor Narciso. Olho para o chão e vejo muitas pedras da calçada. Ponho-me a contá-las. Já vou em cento e oitenta e seis e ainda só dei dois passos. Onde é que acaba a calçada? Até onde chegam os números? Não vou conseguir contar todas as pedras. Não vou conseguir. Também não consigo contar todos os quadradinhos do teu casaco, pai, todas as pintinhas da tua saia, mãe, todas as linhas da palma da mão da avó, todas as rugas da testa do avô, todos os tic-tac do relógio inglês, todos os grãos de areia da praia, todas as gotas de chuva, todas as estrelas do céu?Não consigo contar. E por mais números que saiba, dizem-me, nunca conseguirei contar. Afinal de que servem os triliões, os quadrilhões, se, mesmo esses, são poucos para contar tudo o que há para contar? - Pois. Já sei contar. Mas ainda me falta saber tanta coisa?

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